segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Relatos de uma Brasileira Espanhola #5



Fechar a sexta semana sentada em uma praça, escrevendo no mac ao ar livre e ao som de semáforos intermitentes e pássaros das casas em volta é realmente inspirador. Ainda mais depois de um final de semana de morte e vida.
Espera, calma, eu explico. Nada de pts ou coisa parecida. O que vou contar agora é algo muito mais interno, mais doloroso e mais revelador do que uma ressaca.

É que esta semana que se passou foi particularmente desafiadora porque, depois de lidar e continuamente me acostumar com o exterior, agora veio a parte mais difícil: lidar com o interior. Com a saudade, com a dúvida, com a confusão. Muitos sentimentos juntos e misturados, pirando a cabeça, apertando o peito, corroendo o estômago. E as perguntas. Ah sim, elas: o que é isso? O que eu preciso fazer? O que eu posso fazer pra parar tudo isso e conseguir viver direito de novo?

E as respostas vieram, uma a uma, durante os dias desta semana.
Primeiro: sabe aquela virose? Então, resultou que seus efeitos foram potencializados pela fragilidade emocional em que me encontrava (encontro?), e ela demorou mais de uma semana pra ir embora, só me deixando com cada vez mais vontade de ir também. Para onde? Ué, para longe de todos esses incômodos, para o lugar onde eu me sentia bem e acolhida, rodeada de pessoas amadas. Sim, voltar para casa, pra perto das pessoas de quem sinto mais falta do que poderia imaginar ser possível. Mas ao mesmo tempo querendo ficar, superar, crescer e descobrir coisas novas. É claro que isso resultou em confusão interna, confusão esta que não estava clara para mim até o momento em que essa massa pesada de sentimentos embolados transbordou em lamentos, gemidos e lágrimas.

Essa foi a minha primeira descoberta e libertação. Minha primeira morte e vida. Já faz uma semana.

Nos dias que se passaram, tentei manter esse esquema de desabafar sempre que precisasse (já que, aliás, sempre busquei esconder sentimentos, enterrá-los. Achava que isso era sinônimo de força. Ah como eu estava enganada), mas ainda sentia incômodos e pressões internas que não conseguia entender.
Foi pouco a pouco, a partir de conversas com meus queridos brasileiros e questionamentos internos que os nós cada vez mais profundos do meu ser foram se desatando. Dolorosamente, claro, mas sempre necessário.

Neste final de semana outro ponto muito importante veio à tona: minha imensa fragilidade emocional é causada por dois pontos muito importantes (que mesmo aparentemente distintos ao final são um só):

- aqui não tenho, por perto, as pessoas em quem me espelhava para construir o meu ser. É que sempre fui alguém que gosta de seguir exemplos, de fazer das pessoas queridas e próximas modelos de conduta. Resultado? Me senti mais perdida que cego em tiroteio. Pra onde olhar? Para onde seguir? O que fazer? Quem vai me mostrar o que fazer? Eu? Como assim, eu? Aliás eu posso fazer isso? Sou realmente capaz?

- até agora – acho que por medo – não busquei construir aqui certos pilares que me sustentavam e me ajudavam a manter a cabeça erguida e seguir, dia a dia. Como assim? Bom, não sei vocês, mas existem coisas como pequenas recompensas diárias que me ajudam a dar o meu melhor, para poder merecê-las: depois de trabalhar bastante, me permitir descansar, ler um bom livro ou mangá, assistir um filme ou um anime, ou até escrever se possível, comer coisas gostosas ou simplesmente contar com o ombro de alguém querido e próximo. Como a última opção está mais difícil, e eu estava (inconscientemente?) exagerando na penúltima, percebi que preciso muito da primeira, o que eu estava relegando a segundo plano já faz alguns dias, e não dando a devida atenção já faz algum tempo.

Isso porque minha cobrança interna subiu às alturas: potencializada pela carga de trabalhos e exigências da facul, somada aos meus outros compromissos diários (comprar comida, lavar roupa e cuidar da casa), e embolada com os planos e trabalhos, eu não estava conseguindo fazer metade do que me havia programado. E isso, confesso, é quase uma morte para mim, já que sei que existem pessoas que dependem do que eu faço para fazer seus próprios trabalhos. Mas resultou que eu fiquei tão nervosa, impaciente e frustrada com a falta de tempo, que a cabeça se recusava a trabalhar quando eu sentava pra fazer o que quer que fosse. Eu não queria fazer nada, e tudo parecia um fardo muito maior do que eu conseguiria aguentar – até o simples responder emails. Era um sinal do corpo de que tinha algo muito errado ali, e que eu precisava fazer algo a respeito.
Bom, como isso, em especial, é uma mudança que exige repensar valores que eu prezo muito (como sempre dar o máximo, não importa o que isso custe), confesso que estou encontrando especial dificuldade nesse ponto. Mas através do lema “cada coisa a seu tempo, uma coisa por vez” espero realmente conseguir me acalmar e segui-lo à risca. Já que essa é a verdade, pois especialmente pra mim, foco e dedicação são muito necessários para que algo saia a contento, ou seja, não sou uma pessoa que faz várias coisas ao mesmo tempo.


Por isso, mais do que nunca, estou seguindo o conselho que sempre dei aos queridos, e que só agora percebo o quão importante é: respeite os próprios limites e faça as coisas de coração. O que não sair na hora não era pra ter saído e pronto.

Por último, mas não mais importante, com todas as coisas para se fazer, estou cada vez menos em contato com meus amigos daqui e do Brasil, o que pesou muito esta semana em especial. Mas por um lado foi bom porque sem isso eu não acho que teria contato suficiente comigo mesma para descobrir tudo o que acabei de contar pra vocês.



...mas mesmo assim...

Céus, o quão difícil é tudo isso!



segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Relatos de uma Brasileira Espanhola #4


Quarta semana... um mês em Murcia, um mês na Europa, longe de casa e perto das raízes da família e da civilização ocidental.
Curioso é que já fazem 2 semanas desde a quarta semana, e as lembranças do ocorrido estão todas emaranhadas, cada vez menos distinguíveis, como um macarrão muito mole que gruda um no outro e você não sabe onde termina um fio e começa outro.
E como tudo na vida temos que adaptar às condições que nos são apresentadas, este relato também sofrerá algumas mudanças – que vocês perceberão ao longo do tempo, não acho necessário ficar pontuando aqui.

O que interessa de fato é que as aulas começaram, fiz minha primeira viagem para fora de Murcia, conheci parentes espanhóis, continuo gostando muito dos meus amigos murcianos – mesmo podendo ver eles muito menos agora -, ao passo que vejo quase todo dia a querida amiga e vizinha (brasileira) Manu, ainda estou sem internet em casa (ou será de novo?) e peguei minha primeira virose europeia, fatalmente forte porque desconhecida pelos anticorpos brasileiros.
Vamos por partes.

Podendo me matricular tanto na graduação quanto na licenciatura daqui, acabei optando por uma matéria mais teórica de manhã, e algumas mais práticas à tarde – lembrando que a tarde daqui vai até as 20h. E de todas as aulas que tive até agora, o que mais chamou a atenção, e exatamente um dos pontos que eu mais queria conhecer é o ponto de vista europeu sobre as coisas, principalmente sobre a história. Porque sim, é muito diferente você crescer aprendendo sobre as guerras estando um Atlântico distante, do que aprender estando ao lado, ou até participando delas algumas vezes. Isso muda muito sua concepção de mundo, e até justifica um pouco o nariz empinado da maioria dos europeus – eles são parte dos principais autores da civilização ocidental, e isso meus queridos, não é pouca coisa.

Sobre minha primeira viagem por aqui, o destino foi a província de Valencia, um pouco mais ao norte. Três horas e meia de viagem de ônibus, por estradas de paisagens típicas mediterrâneas, ouvindo um muçulmano conversando indecifravelmente ao celular no banco traseiro, tendo como companheiro de assento um homem negro grandalhão, provavelmente marroqui, e à frente um casal espanhol. Adoro!



Tendo como parada uma estação no meio do caminho e 5 minutos cravados para ir ao banheiro – constatando, com certo alívio por ter conseguido voltar no horário, que o motorista arrancou o carro pouco se importando se todos haviam regressado -, e mais algumas horas de viagem, completou-se a jornada até Valencia, e entramos na cidade que me pareceu à primeira vista um centro urbano, uma metrópole propriamente dita, imediatamente classificando Murcia como cidade do interior.
Na estação, ao descer do ônibus, conheci a prima Cristina e seu filho Mario, e juntos passamos pelo metrô (paixão do pequeno), pela estação de trens, chegando na casa deles em seguida, onde conheci Jesus, o marido e portanto primo também.



Animados, me apresentaram em um dia os museus de arquitetura contemporânea, onde passeamos por toda a tarde, por entre prédios, esculturas e colunas, e experimentei a chamada horchata, uma bebida de um fruto do mesmo nome, com gosto peculiar que lembra vagamente soja.



jantamos em um restaurante ali perto, com direito a pratos típicos e um Mario muito levado.
Dia seguinte foi reservado ao centro velho da cidade, em contraste com a arquitetura arrojada do dia anterior. Ambos encantadores, cada um ao seu estilo, à sua época.



O almoço de despedida foi típico espanhol, batatas com ovo e jamon (um tipo especial de presunto), e dali rumamos direto para a rodoviária, com uma pequena escala em uma das sorveterias mais famosas da região – e com razão! Mesmo estando super satisfeita o sorvete caiu deliciosamente bem.
Corrido, mas muito inspirador, esse final de semana de fuga da província murciana foi o marco da semana, e a razão pela falta de postagem aqui no blog – cheguei de noite aqui, e tendo que fazer muitas coisas, o tempo acabou não cedendo espaço ao meu espaço aqui.

E mesmo tendo pontuado mais coisas que aconteceram, acredito que por enquanto podemos ficar por aqui.
Espero escrever para vocês semana que vem, vamos ver se o tempo, tão implacável quanto instável, permitirá.

Hasta luego!

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Relatos de uma brasileira espanhola #3


Terceira semana...

Primeiro, esclareçamos o seguinte: número 3 é muito especial porque está sempre por perto, como se guardasse meus passos. Olha só: nasci dia 15, múltiplo de 3, do ano 90, idem, todos os números que me rodeiam – rg, cpf, número de matrícula, número de chamada, número das salas em que estudei... todos tem 3 e múltiplos. No brasil, o número de casa é 33,  o andar 3o, apto, 31; aqui meu andar também é o 3o minhas ids também tem essas ocorrências, esta é a 3a casa em que moro na vida... enfim se fosse falar aqui tudo, gastaria um enorme espaço só nisso. Mas como esta é uma mera introdução, vamos pular detalhes não tão importantes e ir direto ao ponto, à semana de maiores mudanças e surpresas até agora. 

Mas calma, vamos despacito, que devagar se vai longe.

Confesso que segunda feira não tava muito bem, e depois de fazer uns serviços em casa e trabalhar um pouco, e não aguentar mais ficar entre essas quatro paredes, resolvi sair. Descoberta do dia? Na solidão, ver gente é muito bom; ver os grupos, os pais, os filhos, interagindo, passeando, conversando, enfim, ver vidas é muito... reconfortante! Pois é! 
Um pouco mais leve, segui com a caminhada pelo centro antigo de Murcia - que tanto me encanta. Acontece que ali pertinho tem *aquela* loja de mangás e HQs, me chamando para uma visita. Como resistir? 



De olhos brilhantes, segui os poucos passos até lá, entrando e percebendo que não estava sozinha: um grupo de 5 pessoas passeava, animada e interessadamente, de um lado a outro. Na hora me veio a vontade e em seguida, a timidez e a dúvida: puxo assunto ou não? 
Instantaneamente me veio forte a sensação de solidão, junto com a enorme vontade que tinha, desde que vim para cá, de conversar com alguém daqui sobre interesses e paixões comuns. E (ainda bem), isso acabou convencendo a mim e a minha timidez de que aquela era a hora de parar de ficar escondida fazendo fita [Cazuza win x3]. 

Apresentações mais tímidas logo deram lugar a conversas animadas, e de lá, depois de sermos literalmente expulsos pelos donos (já era hora de fechar), fomos até outras partes do centro, caminhando despreocupada e animadamente pela noite murciana. Visitamos uma feira local, jantamos juntos, e só depois, quando estava realmente cansada, voltei pra casa, acompanhada de três deles e de uma sensação ótima: descobri amigos!



Este dia realmente marcou minha semana e minha estadia aqui. Primeiro por superar várias timidezes e conseguir puxar papo com estranhos, segundo por serem pessoas realmente muito interessantes, terceiro por serem meus primeiros amigos nesta realidade espanhola.

A partir desse fato marcante, os dias se sucederam, cada um à sua maneira, cada um com seus horários, compromissos e passeios. Porque sim, a gente saiu no dia seguinte – Gloria, Jose e eu, os três mais otakus do grupo – e eles me apresentaram uma loja ainda maior de HQs e mangás. Surtei em triplo (pra combinar), e fiquei sabendo que o Jose também curte Gravitation UHUHUHU *U*

Na noite seguinte, depois de me divertir com um tipo de parada de costumes, isto é, pessoas com vestimentas tradicionais, dançando, cantando e tocando modinhas também típicas, de vários países da Europa, foi ao encontro de duas outras garotas do grupo, a Tamara e a Belén e mais dois amigos delas, e juntos seguimos a pé bem uns 30 min até uma feira um pouco afastada, que mais parecia uma festa junina misturada com play center. Sério! Imagine: comidas típicas, gincanas, ao lado de brinquedos radicais como loopings, chapeu mexicano e carrinhos de bate bate. E muitas pessoas também, cuja fala era quase encoberta pelo som pouco (muito) alto de várias barracas e brinquedos, competindo pela atenção dos passantes. E digo, com toda a sinceridade do mundo: ainda bem que não ficamos muito tempo por lá, porque isso, aliado ao cansaço do dia, não resulta em algo muito bom. Se bem que foi um momento de nostalgia gostoso (parque de diversões + festa junina = infância), além da companhia das meninas também ser ótima!





Dia seguinte... quarta... ishe o que eu fiz quarta? Ah sim! A Maria Josefa, minha anfitriã, nos levou para minha futura universidade, ensinando caminhos e pontos de ônibus – o que, para uma pessoa pouco perdida como eu, é algo realmente necessário à sobrevivência. E sim, o campus de Espinardo da Universidad de Murcia é lindo, e a minha facul parece um hotel por fora, totalmente reformada, e ao lado da biblioteca! #megusta *U*
O resto do dia, assim como os outros, foi passado com os afazeres domésticos e trabalhos brasileños.

Quinta... e quinta, o que foi? Também trabalhos e afazeres, sim... já que roupa e comida não se fazem (ou se limpam) sozinhas. Tampouco as tarefas intelectuais.

Agora, sexta foi outro dia cheíssimo: de manhã, encontrei a outra brasileira da minha facul, para irmos à reunião na UM com os intercambistas latinoamericanos, distribuição de informes e documentos, e uma descoberta incrível: Manuela vive no mesmo prédio que eu, no andar de baixo!! E a gente nunca tinha se trombado antes!! (nem no Brasil, nem aqui...) hahah imaginem a surpresa das duas quando descobrimos.
Depois, almoço com Manu: saladas típicas em um restaurante da praça Santo Domingo – a do café Martinez e das apresentações típicas -, que nos empanturraram de jeito (a porção daqui é o dobro do que aguentamos x_x), junto ao frozen yourt necessário a tanto calor; em seguida, café Martinez e gravação de papo para a coluna da FANTÁSTICA, e tão logo acabou, fui encontrar meus amigos murcianos para a comemoração do aniversário da Gloria, ao melhor estilo local, ou seja, sair pela noite, jantar junto, conversar bastante, ir a vários bares, e tomar uma coisinha em cada um (programa que eles chamam “la taca”).
No meio da madrugada, já cansados, depois de caminhar muito e nos empanturrar em uma loja de doces – que já fechava -, resolvemos dar adiós e hasta pronto.

Sábado e domingo foram dias de recomposição digestiva e trancafiamento em casa, pelo bem dos trabalhos atrasados. Quer dizer, quase, afinal ninguém é de ferro, e tampouco se pode recusar uma oferta de cervejinha no bar perto de casa, com Manuela, outro garoto brasileiro e seu amigo espanhol, com quem a conversa fluiu, a cerveja secou nas garrafas, e a noite abafada teve seu alento merecido.

E assim se passou a semana, em fatos - porque os detalhes e pequenas descobertas de todo dia vocês já sabem, por twitter ou face né ;3


Comentário final: A cada semana percebo, com mais intensidade, o quão legal é escrever pra vocês por aqui, pois relembro e revivo, sumarizo, organizo as memórias... e percebo que realmente... essa semana foi um Plano de Metas personalizado: 10 semanas em 1! hehe

... e semana que vem? Bom, as festas da cidade terminam, as aulas começam, e dai junto se inicia outra etapa da minha estadia aqui, a de estudante.
Me pergunto como farei pra conciliar tudo. Pensar em deixar de fazer algo? Doloroso demais, e só acontecerá se realmente não tiver mais jeito.
Mas juro que tentarei conciliar tudo, com todas as forças possiveis...


>> Mais fotos aqui >> http://www.flickr.com/photos/maribassi_proladodefora/

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Relatos de uma Brasileira Espanhola #2


Segunda semana...
A primeira sensação que ficou desta segunda semana foi: passou muito rápido!

Pois é, ao contrário da primeira, que se passou mais devagar do que era esperado, esta passou vertiginosamente mais acelerada. Pode ter sido pelas mudanças, pela adaptação... aliás provavelmente é exatamente isso. Sabe quando você vai por um caminho pela primeira vez, que parece muito maior do que realmente é, ou quando vê um filme pela primeira vez, que as cenas parecem muito mais longas do que são? Então é exatamente isso que aconteceu: o filme da vida estava apresentando tudo novo, e tudo em câmera lenta para ser melhor apreciado. Agora que grande parte de tudo por aqui já é mais ou menos conhecido, ele pode voltar à sua rotação normal.

Momento epifania do dia: completo.

Agora vamos aos fatos.

Esta segunda semana começou já com uma decisão a ser feita: para onde ir. Onde viver. Uma certeza acima de tudo isso: preciso de uma casa minha, de um espaço só meu. E dentre todos os apartamentos que consegui visitar – que o dono não rechaçava a minha proposta de aluguel por seis meses (já que geralmente os contratos são de um ano) -, teve um que se destacou. Não tanto pela beleza ou imponência, mas sim pelo cheiro e pela aura do lugar e da pessoa que já vivia ali – e que sim, se chama Maria também xD Foi muito interessante porque quando bati os olhos na Maria Jose (falarei dela assim por enquanto, para diferenciá-la de minha primeira anfitriã, a Maria Josefa) senti algo, como um estalo, um reconhecimento: “futura colega de teto”. E quando entre no apartamento, senti outro estalo: “casa”. O mais incrível foi o quanto isso foi nítido.
É claro que visitei outros apartamentos – mesmo porque a Maria Jose também não estava tão interessada na minha proposta de 6 meses ao princípio, mas depois pareceu aceitar melhor -, e teve um ao final que realmente me colocou em dúvida entre ele e o previamente gostado, que rendeu uma noite mal dormida e uma tempestade de dúvidas e incertezas.

Para esfriar a cabeça e conseguir pensar direito, resolvi sair pela cidade e fotografar alguma coisa bem legal.
Acabei entrando na catedral, um lugar enorme, imponente, lindo. 



Nunca imaginei que ia me emocionar tanto ao ficar ali – mesmo porque me lembrei de minha mãe e vó, e isso potencializou os efeitos. Fotografei sim, muito, e andando pelo espaço enorme, acabei me juntando a um grupo de visita ao museu anexo à catedral, onde ficamos sabendo sobre a origem e data de algumas peças – coisas desde o século XIV, que é a data da primeira construção da catedral, até o século XIX e início do XX, período de reformas. Soubemos que aquele altar imponente não era o original, mas sim um substituto vindo de Madrid por conta de um incêndio que destruiu grande parte da construção e seus objetos. Ficamos sabendo também de famílias ricas que patrocinavam igrejas e pinturas, e ganhavam capelas na catedral; que os sinos tinham vários timbres para diferentes ocasiões; que a catedral foi construída em cima de uma mesquita dos primeiros anos depois de Cristo, e muitas outras coisas.



Satisfeita, mais calma e já na hora do almoço, voltei pra casa, e decidi, e com a decisão veio a paz interior - o que é um ótimo sinal. Neste dia também encontrei internet 3G para poder acessar minhas coisas em casa – uma grande comodidade, convenhamos, apesar de muito cara.

E finalmente, no dia seguinte, me mudei. Maria Jose saíra para estudar na faculdade, me deixando sozinha e livre pra fazer o que fosse preciso. Carreguei malas e cuias, limpei chão, banheiro, desci e subi incontáveis vezes por conta de providências e mantimentos, e no final do dia havia um trapo de Mariana, dolorido e exausto.
Tanto que a noite foi mal dormida. Ainda bem que foi a única assim - até agora.

Nos dias seguintes fui mais dona de casa do que turista – apesar de ter saído para experimentar o frozen yogurt daqui, o menor sendo muito maior que os oferecidos no Brasil, mas também mais diluído – e tirar fotos da Praça Circular.



Falando em praças, não sei se comentei, mas aqui tem uma praça em cada esquina, literalmente, assim como barzinhos, que completam o visual tipico do centro de Murcia. E só do centro também, pois em minhas outras (poucas) visitações a apartamentos, acabei indo a lugar mais afastado, e tudo era muito diferente: espaços amplos, avenidas enormes, construções espaçadas, quase nenhum comércio nas redondezas. Provavelmente é por isso que dizem – e com razão – que se vive muito mais a cidade e a cultura no centro que nas redondezas.

Falando em viver a cultura, no final da semana (sexta de noite) fui ver a Maria Josefa, de quem já sentia saudades, jantamos juntas, conheci uns amigos, bebemos um pouco (no meu caso bem pouco, já sei o quão fraca sou pra essas coisas) – descobri que rum aqui se chama ron xD e eu achando que era um tipo de apelido xD -, e iriamos sair, mas acabou miando, e enquanto eu cambaleava de sono até em casa os colegas só começavam seu esquenta.
Ah sim porque - não sei se comentei -: esta é uma cidade boêmia. Todos os jovens vivem mais à noite que de dia, fumam e bebem bastante. E é incrível a transformação da cidade nesses esses dois períodos: as luzes, os carros, os sons, as pessoas nas ruas. Parecem mundos diferentes – e talvez o sejam mesmo.

Depois de ficar o primeiro dia chuvoso (raro por aqui!) quase todo sentada na frente do pc escrevendo (finalmente *U*) – o que me fez perceber que só conseguia manter meu peso comendo o dobro em todas as refeições por conta das caminhadas turísticas e afazeres domésticos. Tradução: engorda, Mariana! Uahuah – me preparei para sair com a Maria Josefa, mas acabei indo com a Maria Jose e sua amiga Clara a um festival musical de abertura da semana de comemoração do aniversário da cidade, chamado Lemon Pop (a banda que estava tocando naquela hora fazia um som bem sussa - mas nem sei o nome), que logo acabou. Encontramos mais umas amigas, e fomos a um barzinho perto de casa, ou seja, no centro. Lá tomei minha primeira cerveja espanhola – na verdade mexicana, a mais fraca, por favor -, e fiquei sabendo que aqui pessoas tem hábitos passarínicos: comem semente de girassol como aperitivo xD E é bom xB #megusta
Em seguida a Maria Jose me levou a conhecer várias baladinhas (literalmente “inhas”, os lugares eram todos uns ovinhos) que haviam por perto, desde umas de heavy metal impestiadas das mais diferentes fumaças, passando por umas mais generalizadas, com bilhar e musicas pops, até as gays, onde ficamos um pouco mais – por conta de grande parte de pequeno grupo ser “entendido” como dizem aqui. Foi o lugar das coca colas – para contrabalancear as cervejas – e das musicas animadas e espanholas. É incrível como aqui em quase todo lugar se ouve muito mais musica nacional do que as modinhas internacionais #adoro!

E bem, assim chegamos no domingo ensolarado, onde se acorda tarde e tenta retomar as atividades. Saldo desta semana? Positivíssimo, adorando cada vez mais esta cidade. Claro que houveram os momentos de recaída, fraqueza, dúvidas, apreensão, mas que são extremamente necessários ao nosso crescimento – por mais que na hora não pareçam.
E sim, a Maria Jose é uma pessoa bem sussa também (...quando não contrariada), e nos damos realmente bem – pelo menos até agora. A comida está saindo cada vez melhor YEY apesar da minha colega gostar de cozinhar e fazer a maior parte dos almoços – muito bem por sinal; posso até dizer que esse é um dos motivos dos quilinhos a mais progressivos.

E semana que vem guarda ainda mais surpresas: conhecer a faculdade... e que mais?
E quem sabe?

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Relatos de uma Brasileira Espanhola #1


Sair do conforto conhecido é sempre algo desafiador, que mexe com a cabeça e com as entranhas.

Primeiro, a despedida; mesmo quem raramente chora se emociona com os tchaus, beijos e abraços nas pessoas queridas. Depois, a classe econômica do avião; quem já viajou de avião – e não é ricaço - sabe do que estou falando; e quem nunca teve este enorme prazer, imagine-se por várias horas sentado em um banco de ônibus apertado – ok um pouco mais confortável porque tem ar condicionado e não tem a muvuca típica, muito menos os odores agradáveis. Mas mesmo assim, incomoda, principalmente para dormir – não há, repito, não há posição confortável: todos fazem malabarismos quase inacreditáveis para conseguir tirar uma soneca.

É nessas horas que tenho pena das pessoas grandes...
Pelo menos a comida era boa. E o interessante é que constava no pacote como jantar e café da manhã, mas a refeição veio às 16h, e a pequena aqui, achando que era almoço, quase recusou – mas acabou aceitando pelas boas maneiras, e pela adoração que tem por comidas, mesmo tendo se entupido no aeroporto, pouco tempo antes. Comer metade, guardar metade para mais tarde, caso o jantar viesse muito cedo.

Mas ele não veio. E foi lá pelas 21h que descobri que aquele, na verdade, era o jantar, já que o avião já estava no fuso horário espanhol. É nessas horas que você dá graças ao pãozinho e ao polenginho que havia guardado para mais tarde.

Ah sim, como não dizer que o acompanhante das horas longas foi A Batalha do Apocalipse – comecei no avião -, e vendo trechos do filme Thor, que brilhava na televisão à frente das poltronas (a primeira opção com certeza era mais interessante... mas até que ver a atuação quase boa e os efeitos especiais também foram um passatempo).

Chegar em Madrid às 6h da manhã – para os brasileiros, à 1h -, se achar naquele aeroporto enorme (e como foi bom esticar as pernas depois de 10h encolhida), pegar esteiras rolantes, elevador e mini metrô até a área de embarque - primeiro mundo é outra coisa...

A primeira compra em euros foi um suco de laranja natural para espantar a sensação que viria a se tornar uma grande jet lag, a primeira vista da área de embarque foi “nossa que enorme e que bonitos esses vidros grandes”, até os raios do sol nascente – e já forte – te incomodarem a ponto de fazer buscar um lugar de sombra, o que quase não havia. Nessas horas, o que se faz é dar de ombros, pegar um lugar perto de sua porta de embarque, e um abraço.

Revisar boa parte de um conto – muito interessante por sinal -, até anunciarem a abertura das portas e xingar muito o note que havia travado (bem nessa hora!! E o medo de perder o voo?) – foi só dentro do avião, depois de andar num mini ônibus que consegui forçar o desligamento, morrendo de medo de ele não ligar de novo (quem já passou por isso 2 vezes sabe o que estou falando).
40 minutos de Madrid até Murcia, mais um cafezinho com bolachas superdoces, dar olá para a cidade que será sua casa durante os próximos 6 meses. Céu aberto, sem nuvens, vegetação rasteira e meio marrom, calor. Muito calor.

Contrastando como de Madrid, o aeroporto San Javier era um ovo, e foi lá que foram feitas as primeiras ligações para uma mãe ansiosa, para um amigo - o Daniel - que ofereceu carona e para a amiga que abriu as portas de casa para uma estadia estrangeira provisória.

Daniel errou o caminho, e ficamos conversando – na verdade ele mais monologando por conta do meu estado zumbi de ser – por um bom tempo até chegarmos na casa da amiga Maria, que já esperava na porta. 

Dois lances de escadas com duas malas super pesadas (o prédio é antigo, não tem elevador), dar thcau pras Marias (sim, as duas moradoras da casa são xarás) que iriam passar o final de semana na praia, e eu num bom chuveiro e cama.

Acordar com o estômago revirado pela jet lag, zumbizar no preparo da pizza pronta da geladeira, terminar de revisar o conto.

E foi aí que começou a adaptação ao mundo murciano.
Dia seguinte, com espírito aventureiro, resolvi descer às ruas, admirando tudo em volta, segura de que saberia voltar para casa. Aham, vai nessa. Costumam dizer que nasci sem bussola interna, e bem, alie essa total falta de direção com ruas estreitas e parecidas, típicas europeias.



Mari perdida, na certa. Debaixo do calor, carregando compras pesadas, tentei encontrar várias vezes algo familiar, mas que só me levava a andar em círculos. Foi depois de perguntar para várias pessoas e continuar perdida que resolvi ligar pra Maria, pedindo um norte. Consegui encontrar a rua de casa depois de algumas investidas erradas, corrigidas pela amiga ao telefone, e foi cambaleante e trêmula que apoiei as compras na mesa, e pude respirar direito.
“nunca mais saio sem orientação!”

Nos dias seguintes, Maria ensinou alguns caminhos, que agora vejo ser mais fáceis do que imaginava – várias ruas acabam num mesmo lugar central, como a avenida ou a catedral; por entre prédios antigos e lojas de grife modernas, cafés, bares e carros chiques, descobri uma loja de hqs e mangás (SURTEI), fiz as primeiras compras no mercadão, saí em busca de pontos de wifi, fazendo do café Martinez o reduto de contato com o mundo brasileiro – pelo menos enquanto a bateria do note durar.

Hoje, um pouco menos estranha ao lugar – mas ainda não completamente acostumada -, já conhecendo vários caminhos e pontos da cidade, ainda sem teto para chamar de meu, sigo achando o "dialeto local" muito difícil porque deveras rápido e quase sem consoantes, e a cidade muito bonita, apesar de outros dizerem ser o lugar menos interessante da Espanha (imagino como serão os mais...).

E enquanto busco um lar, trabalho, escrevo, vejo, fotografo; dou graças à quase inexistência de pernilongos, faço carinho no gato da Maria e recebo ora uma carinha feliz, ora um belo dum arranhão; aqui também e mais ainda, cada dia é um aprendizado: conviver com pessoas não muito organizadas, se empenhar no serviço de casa, tentar cozinhar e acabar com pratos de coisas salgadas que são jogadas fora pela Maria 2 (não a anfitriã) e comidas por mim até que se acabem (o arroz até que, pra primeira vez que se cozinha na vida, saiu bom; só a carne saiu quase intragável), prestar atenção nos detalhes das construções, conhecer parte da universidade, se perguntar como serão as aulas nesse dialeto complicado; ver que infelizmente aqui também tem mendigos e pedintes – reflexos da crise que assola o país -, visitar o museu em que a anfitriã Maria trabalha, experimentar comidas locais e perceber que o calor seco é muito melhor do que o calor tropical, úmido.



E assim a vida segue, com várias coisas novas, um mundo ainda a ser explorado e a primeira semana de Espanha findada.

O que nos aguarda nas próximas? Quem sabe...
Só sei que hoje vou tentar fazer macarrão. Vamos ver como sai...