terça-feira, 30 de agosto de 2011

Relatos de uma Brasileira Espanhola #1


Sair do conforto conhecido é sempre algo desafiador, que mexe com a cabeça e com as entranhas.

Primeiro, a despedida; mesmo quem raramente chora se emociona com os tchaus, beijos e abraços nas pessoas queridas. Depois, a classe econômica do avião; quem já viajou de avião – e não é ricaço - sabe do que estou falando; e quem nunca teve este enorme prazer, imagine-se por várias horas sentado em um banco de ônibus apertado – ok um pouco mais confortável porque tem ar condicionado e não tem a muvuca típica, muito menos os odores agradáveis. Mas mesmo assim, incomoda, principalmente para dormir – não há, repito, não há posição confortável: todos fazem malabarismos quase inacreditáveis para conseguir tirar uma soneca.

É nessas horas que tenho pena das pessoas grandes...
Pelo menos a comida era boa. E o interessante é que constava no pacote como jantar e café da manhã, mas a refeição veio às 16h, e a pequena aqui, achando que era almoço, quase recusou – mas acabou aceitando pelas boas maneiras, e pela adoração que tem por comidas, mesmo tendo se entupido no aeroporto, pouco tempo antes. Comer metade, guardar metade para mais tarde, caso o jantar viesse muito cedo.

Mas ele não veio. E foi lá pelas 21h que descobri que aquele, na verdade, era o jantar, já que o avião já estava no fuso horário espanhol. É nessas horas que você dá graças ao pãozinho e ao polenginho que havia guardado para mais tarde.

Ah sim, como não dizer que o acompanhante das horas longas foi A Batalha do Apocalipse – comecei no avião -, e vendo trechos do filme Thor, que brilhava na televisão à frente das poltronas (a primeira opção com certeza era mais interessante... mas até que ver a atuação quase boa e os efeitos especiais também foram um passatempo).

Chegar em Madrid às 6h da manhã – para os brasileiros, à 1h -, se achar naquele aeroporto enorme (e como foi bom esticar as pernas depois de 10h encolhida), pegar esteiras rolantes, elevador e mini metrô até a área de embarque - primeiro mundo é outra coisa...

A primeira compra em euros foi um suco de laranja natural para espantar a sensação que viria a se tornar uma grande jet lag, a primeira vista da área de embarque foi “nossa que enorme e que bonitos esses vidros grandes”, até os raios do sol nascente – e já forte – te incomodarem a ponto de fazer buscar um lugar de sombra, o que quase não havia. Nessas horas, o que se faz é dar de ombros, pegar um lugar perto de sua porta de embarque, e um abraço.

Revisar boa parte de um conto – muito interessante por sinal -, até anunciarem a abertura das portas e xingar muito o note que havia travado (bem nessa hora!! E o medo de perder o voo?) – foi só dentro do avião, depois de andar num mini ônibus que consegui forçar o desligamento, morrendo de medo de ele não ligar de novo (quem já passou por isso 2 vezes sabe o que estou falando).
40 minutos de Madrid até Murcia, mais um cafezinho com bolachas superdoces, dar olá para a cidade que será sua casa durante os próximos 6 meses. Céu aberto, sem nuvens, vegetação rasteira e meio marrom, calor. Muito calor.

Contrastando como de Madrid, o aeroporto San Javier era um ovo, e foi lá que foram feitas as primeiras ligações para uma mãe ansiosa, para um amigo - o Daniel - que ofereceu carona e para a amiga que abriu as portas de casa para uma estadia estrangeira provisória.

Daniel errou o caminho, e ficamos conversando – na verdade ele mais monologando por conta do meu estado zumbi de ser – por um bom tempo até chegarmos na casa da amiga Maria, que já esperava na porta. 

Dois lances de escadas com duas malas super pesadas (o prédio é antigo, não tem elevador), dar thcau pras Marias (sim, as duas moradoras da casa são xarás) que iriam passar o final de semana na praia, e eu num bom chuveiro e cama.

Acordar com o estômago revirado pela jet lag, zumbizar no preparo da pizza pronta da geladeira, terminar de revisar o conto.

E foi aí que começou a adaptação ao mundo murciano.
Dia seguinte, com espírito aventureiro, resolvi descer às ruas, admirando tudo em volta, segura de que saberia voltar para casa. Aham, vai nessa. Costumam dizer que nasci sem bussola interna, e bem, alie essa total falta de direção com ruas estreitas e parecidas, típicas europeias.



Mari perdida, na certa. Debaixo do calor, carregando compras pesadas, tentei encontrar várias vezes algo familiar, mas que só me levava a andar em círculos. Foi depois de perguntar para várias pessoas e continuar perdida que resolvi ligar pra Maria, pedindo um norte. Consegui encontrar a rua de casa depois de algumas investidas erradas, corrigidas pela amiga ao telefone, e foi cambaleante e trêmula que apoiei as compras na mesa, e pude respirar direito.
“nunca mais saio sem orientação!”

Nos dias seguintes, Maria ensinou alguns caminhos, que agora vejo ser mais fáceis do que imaginava – várias ruas acabam num mesmo lugar central, como a avenida ou a catedral; por entre prédios antigos e lojas de grife modernas, cafés, bares e carros chiques, descobri uma loja de hqs e mangás (SURTEI), fiz as primeiras compras no mercadão, saí em busca de pontos de wifi, fazendo do café Martinez o reduto de contato com o mundo brasileiro – pelo menos enquanto a bateria do note durar.

Hoje, um pouco menos estranha ao lugar – mas ainda não completamente acostumada -, já conhecendo vários caminhos e pontos da cidade, ainda sem teto para chamar de meu, sigo achando o "dialeto local" muito difícil porque deveras rápido e quase sem consoantes, e a cidade muito bonita, apesar de outros dizerem ser o lugar menos interessante da Espanha (imagino como serão os mais...).

E enquanto busco um lar, trabalho, escrevo, vejo, fotografo; dou graças à quase inexistência de pernilongos, faço carinho no gato da Maria e recebo ora uma carinha feliz, ora um belo dum arranhão; aqui também e mais ainda, cada dia é um aprendizado: conviver com pessoas não muito organizadas, se empenhar no serviço de casa, tentar cozinhar e acabar com pratos de coisas salgadas que são jogadas fora pela Maria 2 (não a anfitriã) e comidas por mim até que se acabem (o arroz até que, pra primeira vez que se cozinha na vida, saiu bom; só a carne saiu quase intragável), prestar atenção nos detalhes das construções, conhecer parte da universidade, se perguntar como serão as aulas nesse dialeto complicado; ver que infelizmente aqui também tem mendigos e pedintes – reflexos da crise que assola o país -, visitar o museu em que a anfitriã Maria trabalha, experimentar comidas locais e perceber que o calor seco é muito melhor do que o calor tropical, úmido.



E assim a vida segue, com várias coisas novas, um mundo ainda a ser explorado e a primeira semana de Espanha findada.

O que nos aguarda nas próximas? Quem sabe...
Só sei que hoje vou tentar fazer macarrão. Vamos ver como sai...